domingo, 21 de outubro de 2007

As cartas Portuguesas atribuídas a Mariana Alcoforado

Mário Botas, Monumento para Soror Mariana Alcoforado, 1973

Mariana Alcoforado nasceu em Beja em 1640, com onze anos, é obrigada a entrar para um convento, a fim de ficar a salvo do brutal conflito provocado pela guerra com Espanha. Impotente face à irrevogável decisão do pai, Mariana submete-se, mas anseia pelo dia em que poderá regressar ao seio da família e à liberdade da vida real. Até que um regimento francês chega à cidade: Quis o destino que o seu olhar se cruzasse com o do cavaleiro francês Noel Bouton, marquês de Chamilly, que na altura se encontrava com as suas tropas em Portugal, apoiando o país na Guerra da Restauração. Mariana estaria na janela de Mértola do convento, e dessa troca de olhares nasceria um amor imediato e profundo. Dessa janela, em destaque no segundo piso do Convento, esperaria Mariana por notícias do seu amado, vivendo a sua paixão impossível e desesperada, na sua condição de mulher destinada a Deus. Destruída, Mariana escreve-lhe, sem resposta, cartas extraordinariamente belas e apaixonadas. Faleceu na Cidade de Beja em 1723.



Podes ler aqui uma das cartas escritas por Mariana Alcoforado ao seu grande amor:


Ignoro por que motivo te escrevo...Vejo que apenas terás dó de mim, e eu rejeito a tua compaixão, e nada quero dela. Enfado-me contra mim mesma, quando faço reflexão sobre tudo o que te sacrifiquei...Perdi a minha reputação; expus-me aos furores de meus pais e parentes, às severas leis deste Reino contra as religiosas...E à tua ingratidão, que me parece a maior de todas as desgraças...Ainda assim eu sinto que os meus remorsos não são verdadeiros, e que do íntimo do meu coração quisera ter corrido muito maiores perigos por Amor de ti, e provo um funesto prazer de ter arriscado por ti vida e honra.Tudo o que me é mais precioso não devia eu entregá-lo à tua disposição?...E não devo eu ter muita satisfação de o ter empregado como fiz?...

Parece-me até não estar contente, nem dás minhas mágoas, nem do excesso de meu Amor, ainda que, ai de mim! não possa, mal pecado, lisonjear-me de estar contente de ti...

Vivo, e como desleal, faço tanto por conservar a vida, quanto perdê-la!...Morro de vergonha...Acaso a minha desesperação existe somente nas minhas ?...Se eu te amasse com aquele extremo que milhares de vezes te disse, não teria eu já de longo tempo cessado de viver?...Enganei-te...Tens toda a razão de queixar-te de mim...Ah ! por que não te queixas?...

Vi-te partir; nenhumas esperanças posso ter de mais ver-te. e ainda respiro!...

É uma traição...Peço-te dela perdão.Mas não mo concedas...Trata-me rigorosamente.

Não julgues os meus sentimentos veementes...Sê mais difícil de contentar...Ordena-me nas tuas cartas que morra de Amor por ti...Oh! conjuro-te de me dares esse auxílio para poder vencer a fraqueza do meu sexo, e pôr termo às minhas irresoluções, por um golpe de verdadeira desesperação.Um fim trágico obrigar-te-ia, sem dúvida, a pensar muitas vezes em mim...A minha memória te seria cara, e quiçá esta morte extraordinária te causaria uma sensível comoção.E a morte não é porventura preferível ao estado a que me abaixaste?...Adeus!Muito quisera nunca haver posto os olhos em ti.

Ah! sinto vivamente a falsidade deste sentimento, e conheço neste mesmo instante em que te escrevo, quanto prefiro e prezo mais ser infeliz amando-te, do que não te haver jamais visto.

Cedo sem murmurar à minha malfadada sorte, já que tu não quiseste torná-la melhor. Adeus.Promete-me de conservar uma terna e maviosa saudade de mim, se eu falecer de dor; e assim possa ao menos a violência da minha paixão, inspirar-te desgosto e afastar-te de tudo!Esta consolação me será suficiente, e, se é força que te abandone para sempre, desejara muito não deixar-te a outra.Dize, não seria nímia crueldade a tua, se te servisses da minha desesperação para, pareceres mais amável, mostrando que acendeste a maior paixão que houve no mundo?Adeus outra vez...

Escrevo-te cartas excessivamente longas, o que é uma falta de consideração para ti: peço-te mil perdões, e atrevo-me a esperar que terás alguma indulgência para com uma pobre insensata, que o não era, como tu bem sabes, antes de amar-te.Adeus.Parece-me que demasiadas vezes me dilato em falar do estado insuportável em que estou.Contudo agradeço-te, do íntimo do meu coração, a desesperação que me causas, e aborreço o sossego em que vivi antes de conhecer-te...

Adeus.A minha paixão cresce a cada momento.Ah! quantas cousas tinha ainda para dizer-te!...


Mariana

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